No
artigo “As velhas baianas somem das passarelas” escrito pelo professor
de História Luiz Antonio Simas, critica a conversão ao Evangelho por
parte de membros das escolas de samba, e afirma que a ausência dessas
pessoas no carnaval empobrece a festa e prejudica a formação da
comunidade.
“Ocorre hoje, porém, um problema da maior gravidade nas escolas de
samba, amplamente comentado no meio e, infelizmente, pouco repercutido
na imprensa: a velha baiana corre o risco de desaparecer, arrancada das
fileiras de sua escola pela conversão às igrejas evangélicas que, cada
vez mais fortes, demonizam o samba, o carnaval e suas práticas”, afirma o
professor, na publicação veiculada pelo jornal O Globo.
Segundo Luiz Antonio Simas, “são inúmeros os casos de passistas,
ritmistas e, sobretudo, baianas, que abandonaram os desfiles atendendo a
determinações de pastores”.
O professor ainda observa que “diversas
escolas de pequeno porte já entram na avenida perdendo pontos, pois o
regulamento dos desfiles exige um número mínimo de baianas para o
cortejo”, e conclui afirmando que a mensagem das igrejas evangélicas
afastam tais pessoas de sua comunidade:
“Onde elas estão?
Nas igrejas,
ouvindo pregações apocalípticas contra a festa”.
Simas ainda polemiza, ao minimizar o conteúdo da mensagem evangélica
aderida pelos novos convertidos e a definição de pecado, ensinada nas
igrejas:
“Atribuindo ao carnaval um perfil maligno, fundamentando suas
críticas em uma arraigada noção de pecado e em uma vaga ideia de
redenção, estes líderes religiosos retiram do ambiente das escolas
personagens que, até então, tinham ali construído seus elos comunitários
mais bonitos.
É pecado sambar?”, questiona.
O colunista e, pastor Rubens Teixeira,
publicou um artigo em resposta à argumentação do professor Luiz Antonio
Simas:
“A cultura dos povos são mutáveis por diversas razões, sejam
elas pelo incremento de novas ideias, modificações das crenças, pelos
comportamentos tornarem-se anacrônicos, pela evolução social ou por
qualquer outra razão que a sociedade permitir.
Não há que se falar em
cultura imposta.
Cada grupo, inclusive, é o responsável pela manutenção
dos seus elos e traços culturais”, contextualizou.
A mesma medida pode ser aplicada em relação às religiões, acredita
Teixeira:
“As religiões possuem uma dialética bem democrática também.
As
pessoas escolhem mudar de religião, ou manterem-se nelas, por razões
muito íntimas.
Normalmente buscam nos templos o bem estar espiritual,
buscam encontrar Deus.
Não acredito que a maioria das pessoas escolham
religiões por questões culturais, mas por necessidades espirituais”.
O ponto em torno da liberdade religiosa e de expressão também foi
mencionado por Teixeira como ingrediente essencial na compreensão das
escolhas feitas pelas pessoas que resolvem converter-se ao Evangelho.
“As pessoas não são fervorosas de suas religiões apenas por imposição
familiar ou social.
O fervor está associado a fé, à certeza que a
pessoa tem e aos resultados que obtém de suas práticas, especialmente em
um país em que a liberdade religiosa é garantida”, ponderou o pastor,
que acredita não fazer “sentido querer cultivar pessoas em uma ou outra
religião para atender interesses econômicos difusos imersos no
carnaval”.
O pastor Rubens Teixeira observou ainda que “nenhum grupo religioso,
de sã consciência, pregaria a sua mensagem apenas para esvaziar uma
festa popular ou outra religião”, reforçando que as escolhas feitas por
quem se converte são baseadas naquilo em que acreditam:
“As pessoas
pregam as mensagens que creem, e, a partir daí, as outras, escolhem se
converter, ou não.
Depois de convertida, uma pessoa pode, inclusive, se
reconverter à religião anterior.
A Liberdade Religiosa é um Direito
Fundamental previsto na Constituição da República do Brasil e na
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Ser de qualquer religião ou
de nenhuma delas é uma escolha personalíssima”.
Por fim, Teixeira ainda ressalta que a pregação evangélica não incita
o boicote à tradicional festa popular e questiona se a liberdade de
crença deve ser posta de lado em favor do carnaval:
“Evangélicos não
dificultam a ocorrência do carnaval, mas ensinam que as pessoas não
devem:
embriagar-se, prostituir-se, agredir-se, expor sua nudez
publicamente, porque o nosso corpo é templo do Espírito Santo.
Isso nada
tem a ver com o carnaval.
Então as pessoas deveriam por um decreto
moral-intelectual-fundamentalista manter-se na ética de agradar o que é
bom para quem paga?
Destruir-se em prol da diversão alheia?”
Abaixo, leia a integra do artigo do professor de História Luiz Antonio Simas.
Em um samba belíssimo, que embalou o carnaval de 1984 da Unidos de Vila Isabel, Martinho da Vila fala dos sonhos da velha baiana, “que foi passista/brincou em ala/dizem que foi o grande amor do mestre-sala”.
Poucos versos abordam com mais felicidade a ideia da escola de samba como uma instituição comunitária, forjadora de elos entre segmentos populares que, à margem das benesses do poder instituído, inventaram mundos e, desta maneira, se apropriaram da vida e produziram cultura. A moça passista, que desfilou como componente de ala, chegou ao final da trajetória ungida baiana, matriarca do samba e de sua gente simples.
Ocorre hoje, porém, um problema da maior gravidade nas escolas de samba, amplamente comentado no meio e, infelizmente, pouco repercutido na imprensa: a velha baiana corre o risco de desaparecer, arrancada das fileiras de sua escola pela conversão às igrejas evangélicas que, cada vez mais fortes, demonizam o samba, o carnaval e suas práticas.
O problema atinge, sobretudo, as escolas mais pobres, que contam basicamente com os componentes das próprias comunidades para fazer o carnaval. São inúmeros os casos de passistas, ritmistas e, sobretudo, baianas, que abandonaram os desfiles atendendo a determinações de pastores. Diversas escolas de pequeno porte já entram na avenida perdendo pontos, pois o regulamento dos desfiles exige um número mínimo de baianas para o cortejo. Onde elas estão? Nas igrejas, ouvindo pregações apocalípticas contra a festa.
Atribuindo ao carnaval um perfil maligno, fundamentando suas críticas em uma arraigada noção de pecado e em uma vaga ideia de redenção, estes líderes religiosos retiram do ambiente das escolas personagens que, até então, tinham ali construído seus elos comunitários mais bonitos. É pecado sambar?
É evidente que tal prática se inscreve numa disputa pelo mercado da fé, cujo motor é o combate pelo maior número possível de fiéis. É óbvio, também, que as escolas de samba têm fortes raízes fincadas nas religiosidades afro-ameríndias, notoriamente na Umbanda e no Candomblé. Sabemos, por exemplo, que algumas baterias de grandes escolas desenvolveram seus toques característicos a partir dos ritmos consagrados aos orixás. A guerra aberta às escolas de samba deve ser compreendida, portanto, em um panorama mais amplo: é um capítulo da guerra santa travada por fundamentalistas cristãos contra as práticas culturais e religiosas dos descendentes de africanos no Brasil.
O efeito é perverso. Ao construir um discurso de salvação, alicerçado em promessas de tempos melhores, os fundamentalistas da fé buscam matar exatamente o que, durante muito tempo, deu a estas pessoas a noção de pertencimento. Não basta, para os arautos do fanatismo, construir uma nova referencia; é necessário matar o que veio antes, arrasar a terra, negar o outro, destruir a tradição. Conhecemos este filme e o final não é feliz.
Resta botar a boca no trombone e torcer para que no peito da velha baiana do samba do Martinho, aquela que cresceu, amou o mestre-sala e envelheceu dentro de sua escola, o arrepio do surdo de marcação, a harmonia do cavaco e os desenhos dos tamborins superem as trombetas da intolerância. Afinal de contas, não é pecado sambar e celebrar a vida.
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