Desenvolvimento de uma “religião política” pode mudar a humanidade.
“Os ateus também podem desenvolver valores sagrados”, afirma estudioso |
Philippe Portier, diretor de estudos na Escola Prática de
Altos Estudos e diretor do Grupo Sociedades, Religiões, Laicidades da
França, deu uma entrevista à revista francesa La Vie.
Ele faz uma
análise dos motivos pelos quais crescem os conflitos de ateus e
religiosos e como isso se revela no campo político.
É inegável que o número de ateus está aumentando na Europa, não
apenas na França.
Mas o que chama atenção realmente é o crescimento dos
“sem religião”, ou seja, há um “distanciamento com a crença em Deus” em
vários setores da sociedade.
Portier revela que 28% a 30% da população da França já se diz “sem
Deus.
Entre os jovens, entre 18 e 30 anos, a fração sobe para 35%”.
Paralelo a isso, o número de agnósticos também aumentou.
Ele acredita
que “para essas pessoas, probabilistas, Deus talvez exista. E esta zona
cinzenta se desenvolve.
É, talvez, a população mais importante. Eles são
em torno de 35-40% da população”.
Do outro lado, a proporção de pessoas que estão certas que Deus
existe é de 25% a 30%. Só que “para esses crentes, Deus não é sempre o
mesmo. Não obedece necessariamente às regras da religião instituída”,
diz o estudioso.
Para Portier, o elemento diferenciador é que “Entre aqueles que dizem
“eu não creio em Deus” e aqueles que dizem não ter nenhuma crença
espiritual, há uma brecha considerável…
Há muitas vezes
um espiritualismo difuso, que não se identifica com o materialismo
tradicional que está na origem do ateísmo.
E nas pesquisas qualitativas
feitas com ateus, encontramos muitas vezes a ideia de que o homem
estaria dotado de um espírito.
O que remete a uma possível ideia de um
espírito que ultrapassaria os nossos próprios corpos”.
Sendo assim, é equivocado pensar que é todo ateísmo é fortemente
militante, pois “Na sociologia das religiões… uma dessas teses,
defendida por pesquisadores italianos, os ateus produzem significações
religiosas.
Mais precisamente, eles sacralizariam normas de existência
que fazem duvidar da possibilidade de uma crítica.
Assim, haveria uma
religião civil e mesmo uma religião política para qualificar alguns
valores que são promovidos pelos ateus fora de qualquer crença em Deus”.
Isso pode influenciar os rumos da humanidade daqui para frente.
Ou seja, é crescente o estabelecimento de uma “religião laica”, que é
uma concepção muito mais política.
Por exemplo, “Trata-se de um Estado
que fixa normas de existência com uma escola que é exclusivamente laica.
Esta religião pode desenvolver uma moral laica, difundida pela escola.
Ela engloba, portanto, a sociedade em seu conjunto.
Nesse sistema de
religião laica não se procura necessariamente suprimir autoritariamente o
fenômeno religioso.
Ao contrário, quer-se privatizá-la de maneira
rigorosa: a religião é expulsa para a esfera privada”.
A complexa questão da falta de fé pode revelar que alguns ateus
“podem desenvolver valores sagrados fundados na autonomia do sujeito: os
direitos da criança, a possibilidade de as mulheres escolherem sua
própria existência, etc., sem que haja nisso necessariamente uma
referência a um modelo de tipo laico…
Para muitos ateus, o indivíduo
constrói sua própria existência, de maneira autônoma.
Por essa razão
eles são favoráveis às reformas sociais.
Eles defenderam a contracepção e
o aborto nos anos 1960 e 1970, depois a procriação assistida nos anos
1980.
Hoje, eles são favoráveis à eutanásia e ao casamento gay.
A
questão de fundo é que defendem o fato de que o indivíduo deve poder
construir sua própria existência de maneira autônoma”.
O maior embate está com os crentes que encontram uma referência em
normas superiores.
Essa transcendência fortalece “uma moralidade que
foge à liberdade do sujeito”.
Donde surge “uma clivagem muito clara
entre crentes e ateus em relação a temas sociais…
Sempre há uma
militância ateia em oposição a uma militância religiosa.
E nesse
momento, dois campos dão o tom nos debates públicos.
Eu vou usar o termo
“guerra de culturas”.
Mais precisamente, de um lado nós temos a cultura
da autonomia do sujeito.
Do outro, uma cultura da normatividade.
E
entre essas duas culturas, há diferenças muito importantes sobre a
maneira de conduzir uma sociedade”.
O erudito finaliza, enfatizando que é justamente por isso que se vê
na Europa um grande conflito entre os religiosos e grupos liberais
[antirreligiosos], como mostrou a recente passeata em Paris contra a
legalização do casamento gay, com quase um milhão de participantes.
Esse
embate de ideias tem deixado membros de igrejas e sacerdotes “mais
indenitários e mais apegados aos seus princípios morais”.
Com informações Unisinos.
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