A edição está disponível nas bancas e aborda estudos que falam
sobre as primeiras igrejas e o comportamento de seus membros nas últimas
décadas.
Revista comenta o crescimento dos evangélicos e critica o evangelismo |
A Revista de História da Biblioteca Nacional (RHBN) do mês de dezembro traz uma edição especial de artigos que contam a história da fé evangélica no Brasil.
Os temas abordados nas reportagens falam tanto das primeiras igrejas
até os ministérios mais atuais, falando também da atuação política que
estes religiosos passaram a ter nas últimas décadas.
“Sem revoluções, imposição ou violência, elas agem pela conversão e
crescem sempre de baixo para cima, raramente seduzem as elites nos
primeiros encontros, misturam com alguma facilidade a sua fé aos
aspectos mais tradicionais das igrejas predominantes, e transformam a
religião em uma identidade conquistada e vencedora”, diz trecho do
texto.
O artigo postado no site da RHBN fala também sobre a evangelização de
missionários brasileiros que levam a mensagem para países da América
Latina e da África, citando que a língua facilita este contato, além de
traçar dados históricos, a revista também faz críticas e comparam as
igrejas atuais com empresas multinacionais.
Ao criticar o evangelismo, o texto diz que a atitude é impulsionada
pela “batalha espiritual” que demoniza a pobreza, a violência, a
exclusão, o desemprego a solidão e etc. E sobre a chamada Janela 10-40,
localização geográfica onde está os países menos evangelizados do mundo,
o artigo diz que os “horrores contemporâneos” combatido pelos
evangélicos são o islamismo e a as religiões orientais.
Leia o artigo completo:
Colonizado e cristão, miscigenado e avesso a Revoluções, o Brasil
evangélico adapta a crença em seus mitos fundadores e difunde um
protestantismo que pretende conquistar o mundo.
Ao final dos anos de 1950, Nelson Rodrigues tornou conhecida a
expressão “complexo de vira-latas” para falar da suposta inferioridade a
que o brasileiro se colocava diante do mundo. Tratava-se, naquela
ocasião, de uma crônica sobre futebol, mas funcionaria durante muito
tempo como um deboche do atraso brasileiro, o país do eterno futuro,
cheio de potencialidades naturais e de “cordialidade”, mas incapaz de
resolver seus problemas mais antigos como o analfabetismo e a fome.
Coincidência ou não, entre os anos 50 e 70, a população
evangélica daria uma salto de quase 70% em relação ao período anterior,
acompanhada pela modernização conservadora durante a ditadura militar, e
pela explosão mundial de movimentos sociais em defesa da liberdade de
expressão, dos direitos das minorias e da negação da guerra. Um por um,
os temas da agenda social brasileira e mundial foram gradualmente
incorporados à pregação protestante tradicional: o pastor abre as portas
da Igreja como as de sua própria casa, possui a autoridade de um pai ao
acolher o cidadão mais desamparado pelo Estado e pela sociedade;
oferece-lhe uma família para pertencer, eventualmente emprego e orgulho
próprio, e um objetivo de vida, uma missão: mostrar ao mundo o caminho
da salvação.
Podia ter dado certo ou não, como ocorre igualmente nos processos
históricos e na vida, mas em fins da década de 1980, a redemocratização
no Brasil e a vitória do capitalismo no mundo, contribuíram com
importantes ferramentas: a legítima liberdade de crença religiosa, o
livre acesso aos meios de comunicação e a consolidação do modelo liberal
de sociedade de massa: cada um por si e pelos seus.
Contudo, o Espírito Santo, ou para os mais céticos, o senso de
realidade e de oportunidade de alguns pastores e igrejas escapou à
observação restrita às fronteiras e à conjuntura, e enxergou o impacto
da fragmentação global. Conflitos étnicos, desemprego generalizado e a
desarticulação da família tradicional não desfrutam mais da opção dos
projetos revolucionários, o Estado tornou-se autoridade menos capaz com o
aprofundamento da globalização, e a política é hoje um terreno cada vez
mais desacreditado pelos jovens. Nascidas no dia a dia da batalha que
cada fiel pentecostal trava com a realidade brasileira, explicada pela
demonização de seus mais diversos reversos, as igrejas evangélicas
oferecem à América Latina, Ásia e África uma nova utopia. Sem
revoluções, imposição ou violência, elas agem pela conversão e crescem
sempre de baixo para cima, raramente seduzem as elites nos primeiros
encontros, misturam com alguma facilidade a sua fé aos aspectos mais
tradicionais das igrejas predominantes, e transformam a religião em uma
identidade conquistada e vencedora, pois que escolhida para levar a
palavra de Deus aos incrédulos.
Na África e na América Latina, as proximidades da língua parecem
ajudar no crescimento das igrejas brasileiras, sempre associadas a
outros elementos, específicos em cada país. Pesquisadores apontam que
nessas regiões os cultos são realizados em proporção de 40% na língua
local, e 60% em português, atraindo também os grupos de imigrantes
brasileiros.
Na Argentina, é possível que as sucessivas crises econômicas,
somadas ao desgaste no orgulho das classes médias, contribuam para uma
aceitação das igrejas bem maior do que no Chile, onde o catolicismo
ainda é profundamente identificado com uma distinção de classe. Bolívia,
Peru e México apresentam um índice de crescimento pentecostal
marcadamente entre as populações indígenas, para as quais há um trabalho
direcionado por parte de algumas igrejas, e minuciosamente acompanhado
pela SEPAL (Servindo aos pastores e líderes), missão internacional que
avalia e difunde o crescimento evangélico no Brasil há mais de 30 anos.
No site da instituição/Rede é possível ter acesso às chamadas “missões
transculturais”, cujos objetivos variam de acordo com as regiões de
destino e a formação dos missionários. Estes, são atualmente cerca de
600 e incluem teólogos, professores, antropólogos, administradores,
entre muitos outros espalhados por quase 70 países do globo.
A motivação mais comum a levar essas pessoas para lugares tão
distantes de suas raízes é a “batalha espiritual”: cada povo não cristão
seria vitima de um tipo de demônio como a pobreza, a violência, a
exclusão, o neocolonialismo, o desemprego, a solidão, etc. Mas entre os
horrores contemporâneos, existe ainda uma hierarquia que alça ao seu
topo o islamismo e as religiões orientais. Daí a existência da chamada
“Janela 10-40”; segundo a qual a maior concentração de pessoas do globo
terrestre que ainda não “encontrou Jesus” localiza-se no retângulo que
se estende da África ocidental através da Ásia, entre os graus 10 e 40 a
norte do equador, incluindo o bloco muçulmano e o bloco budista, ou
seja, bilhões de pessoas à espera da conversão.
Ao que é possível obter de informações nos sites das igrejas como
a Universal do Reino de Deus, e em pesquisas acadêmicas variadas, as
missões são estudadas com bastante antecedência por uma comissão que
visita o país ou região de destino e elabora uma espécie de dossiê
avaliando as probabilidades de sucesso, a legislação local, os trâmites
relacionados à existência jurídica da Igreja e, sobretudo, a cultura
local. Contexto nacional, linguagem apropriada, classes e modos de vida
específicos, localização ideal dos templos com vias de acesso e sem
concorrências, compra ou preferencialmente o aluguel de um imóvel com as
proporções adequadas, arrecadamento estimado dos dízimos… A fé
evangélica é também uma empresa de porte multinacional, embora esteja
longe de se reduzir a isso.
Movidas especialmente pela adesão global de populações pobres,
com baixos graus de instrução, não-brancas, jovens, e mulheres, tudo
indica que essas igrejas buscam e produzem fieis cada vez mais
diferentes entre si, marcados por histórias nacionais e individuais
muito particulares, parecidos com a sociedade em que vivem mas, ao mesmo
tempo, sensíveis a um discurso que universaliza sentimentos velhos
conhecidos do povo brasileiro.
Desde a síndrome de vira latas criada por Nelson Rodrigues, até a
opressão sentida pelas tribos indígenas latino-americanas, agora
fortalecidas pelo poder eleitoral dos evangélicos, a exclusão social, no
caso dos imigrantes nos Estados Unidos, e a diversidade, marca de nossa
identidade histórica e cultural, agora oferecida aos russos, aos
chineses, e aos países muçulmanos mais radicais… Não sem algum custo, é
claro.
Para conhecer o discurso, o impacto cultural e religioso, e as
estratégias utilizadas pelas igrejas evangélicas no Brasil e no mundo,
leia o dossiê “Evangélicos, a fé que seduz o Brasil”, capa da Revista de
História do mês de dezembro.
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