Esperar
moderação de um religioso é negar-lhe o que ele possui de mais
característico: a posse de uma cosmovisão totalizante.
O que é uma
religião senão uma explicação da existência, do universo e das razões
últimas das coisas?
E se explica tudo, tudo abarca.
Nada, dessa forma,
se encontra fora do seu campo de interesse, nada deixa de ser penetrado
por ela.
Por isso, não existe laicidade para o religioso, já que nada se
encontra separado de sua fé.
Sendo assim, buscará impor o que acredita
ser o melhor para todos.
E se o melhor se encontra no que sua própria
religião ensina, é em favor disso que lutará.
E antes que os
apóstolos deste século reclamem dessa impostura beata, saibam que nem
mesmo os maiores adeptos da laicização escapam desse desejo de a todos
impor o que acreditam.
Os valores podem ser diferentes, mas o objetivo é
o mesmo.
Ninguém que atua em jogos políticos faz isso para ver os
interesses dos outros aplicados.
Cada um busca impor seus próprios
interesses.
Se puderem, farão que todos aceitem suas ideias.
Se não
puderem, aguardarão o momento certo de fazer isso.
Pensando dessa
maneira, qual a diferença entre abortistas que requerem o chamado
direito de escolha e fiéis que lutam pelo direito à vida?
Em termos
práticos de política, nenhuma.
Todos buscam impor suas convicções.
E
para isso existe a política.
Quando um religioso atua
politicamente, o mínimo que se espera dele é que tente impor seus
valores também.
Seria até injusto, enquanto todos lutam para verem suas
convicções aplicadas, apenas o religioso não poder fazer isso.
Ele, sem
ferir a liberdade comum, deve lutar até o fim para aquilo que ele
acredita ser o melhor, aquilo que representa o bem, seja recepcionado
pelas normas de seu país.
O religioso, em sua atuação política, não faz
nada diferente de ninguém.
O que ele busca é o que todos buscam: a
imposição de regras para uma sociedade melhor.
O problema é que cada um
tem a sociedade ideal segundo suas próprias convicções.
Portanto,
quando alguns atores políticos esperneiam contra os religiosos na
política, fazem isso apenas como tática para desmoralizá-los, para
afastá-los do jogo e, por fim, acabar impondo suas próprias ideias.
Na
verdade, eles sabem que suas próprias atuações em nada diferem da dos
pastores, padres e cristãos que publicamente se movem no mundo da
política.
Teoricamente, todos estão trabalhando por uma sociedade
melhor, segundo suas próprias convicções do que é melhor.
Por que
um religioso afirmar que aborto é crime se torna uma imposição sufocante
e afirmar que afirmar isso é crime não é?
São duas faces da mesma
moeda.
São duas visões que lutam para se impor.
Por que, então, apenas o
religioso é visto como um louco fascista tentando enfiar goela abaixo
suas convicções?
Na verdade, todos querem fazer isso, e se não fazem é
apenas porque não conseguem.
Porém, de alguma maneira, eu
compreendo porque as coisas acontecem desse jeito.
Lembremos que vivemos
em um mundo moderno.
Neste mundo moderno, a religião também é moderna.
Sendo moderna, seu papel é ser uma opção, não uma explicação.
O homem
moderno busca a religião para se sentir bem, não para saber a verdade.
A
religião moderna é, com efeito, uma mera expressão da subjetividade.
Não trata de valores universais, de uma explicação da existência.
Religião é apenas um refúgio, para o homem moderno se esconder de vez em
quando, aliviando as tensões acumuladas em sua vida laica.
Essa é
a religião que eles querem, a religião de uma Nova Ordem: sem vocação
política, sem soluções para os homens.
A religião ideal para a
modernidade é áfona, retraída, irrelevante.
No fim, são os
antirreligiosos que assumem o papel de profetas, de pregadores, de donos
da verdade.
São eles que se apresentam como os portadores das virtudes
que devem ser impostas a todos.
São eles que sabem o que é melhor para o
mundo.
Eles são os promotores do bem.
E o que eles esperam da
religião é que ela seja uma expressão de fé tão íntima e tão pessoal que
não tenha capacidade de oferecer qualquer resposta aos problemas da
sociedade.
Na verdade, querem que ela seja apenas morna, talvez para
que, no fim, seja vomitada pelo seu próprio Deus.
Autor: Fábio Blanco
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